Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

E-mail, processo ou retrocesso?

Não, não fiquei obscurantista ou retrógrado de repente. Tampouco conservador. De forma alguma este artigo quer por em dúvida o imenso progresso que a web representou para a agilidade das comunicações humanas.

Na verdade não coloco aqui uma questão tecnológica, mas sim os aspectos sócio-afetivos-mercadológicos envolvidos.

Preliminarmente, é preciso levantar uma suspeição sobre mim mesmo e sobre minha capacidade de discorrer sobre o tema e-mail. Meus amigos e familiares sabem que detesto falar ao telefone, o que às vezes traz situações de conflito de difícil equacionamento. Reclama-se que quero logo terminar as ligações, que fico impaciente, etc., etc., etc. Isso tudo pode ser verdade. Sou daqueles que gostam de interagir com a pessoa humana, de olhar olho no olho, de ver a cara do meu interlocutor.

Daí alguns poderiam depreender que por decorrência eu não deveria gostar do e-mail como instituição e ponto.

Nada mais longe da verdade. Embora tenha demorado em me afeiçoar ao instrumento em questão, logo que o conheci melhor passei a considerá-lo indispensável companheiro do dia-a-dia. Talvez porque eu goste muito de ler e escrever e talvez porque eu consiga muitas vezes dizer por escrito coisas que travam na garganta quando tento dizê-las ao vivo e a cores. Ademais, verba volant, o que aliás não quer dizer que as verbas voam, embora isso às vezes aconteça.

Mas como em tudo na vida há aspectos negativos a serem considerados.

O primeiro deles é o junk e-mail, equivalente eletrônico daquelas montanhas de papel inútil que todo dia abarrotam nossas caixas de correio tentando vender de tudo, de cavalos mineiros a torres toscanas. Caso, por alguma circunstância, nosso e-mail seja tornado público, passamos a ser bombardeados por todo tipo de oferta e pedido, de toscanas torres a mineiros cavalos. Como muitas vezes não é possível distinguir tais ofertas de uma correspondência realmente importante, temos que abri-las e lá vamos nós perdendo tempo com coisas realmente sem nenhuma importância, entre as quais certamente não se incluem torres toscanas e cavalos mineiros. E tempo, como pênaltis, não é coisa que se perca.

Outro aspecto é o da overdose de informação.

Amáveis instituições, de todos os tipos, querem colaborar para que sejamos os seres mais bem informados do planeta. Bancos e seus departamentos de pesquisa, universidades, empresas de auditoria e outras semelhantes nos enviam, diligente e quase que diariamente, as mais completas resenhas sobre a situação econômica do Brasil, da Argentina e do Burundi. Além das complexas análises políticas que procuram adivinhar o resultados das próximas eleições, aqui e em Tanganica. E aí, meus amigos, baixa aquele sentimento de culpa muito típico dos nossos dias, porque, por mais eficientes que sejamos, não dá pra ler e ver tudo (isso acontece com filmes também). E, em não lendo tudo, fica aquela sensação de que a informação de que realmente precisávamos estava, segundo as Leis de Murphy, no material que não conseguimos ler.

Finalmente, me pergunto se o e-mail não se torna, generalizada e inconscientemente, num instrumento de afastar as pessoas, numa desculpa para que as pessoas não se vejam e não se falem. É um pensamento contraditório, porque ao mesmo tempo ele é um meio de comunicação rápido e eficiente. Mas penso que é preciso que nos disciplinemos para que as telas dos nossos computadores não se transformem num involuntário escudo entre nós. Nós, pobres seres humanos, cuja dificuldade de comunicação já causou tantas dores e brigas, e tantas guerras e amores perdidos...

 
Artigo originalmente publicado em Valor Econômico, 10/06/2002

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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