Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

Ferragens e ferramentas em geral

Sempre fui fascinado por algumas das expressões freqüentemente usadas nos anúncios do pequeno comércio varejista.

Nas padarias, por exemplo, as placas: Pães, bolos, doces finos (imaginamos se anunciariam doces que finos não fossem), salgados em geral. Nas lojas de artigos têxteis, as chamadas: Tecidos, botões, linhas, artigos finos para presente (olha os finos de novo), aviamentos em geral. E nas lojas da Paes Leme em São Paulo: Máquinas, ferragens e ferramentas em geral.

Várias lojas daquela rua ostentam aquela placa. Ferragens e ferramentas em geral. Lado a lado. Porta a porta. Assim como as lojas de tecido da rua Vinte e Cinco de Março.

E eu me pergunto: como é que elas sobrevivem? Como é que se trava a competição entre elas? Quais as ferramentas (sem intenção de trocadilho) que são usadas para conquistar clientes?

Para quem está acostumado com o ambiente das grandes empresas e, portanto, da competição tipo jogo pesado, aquela promiscuidade das lojinhas concentradas em um mesmo lugar é deveras intrigante. É como se nós tivéssemos em fila, parede a parede, vários Pão de Açúcar, Carrefour, Big, etc.

Nesse caso, o dos grandões, a guerra se travaria (e há vários exemplos onde ela se trava) entre as organizações. Gigantes do comércio podem se permitir perder dinheiro em uma determinada loja para agüentar a guerra com o inimigo próximo. Podem socorrer as unidades mais expostas usando a força de uma massa crítica corporativa. Ainda assim, se os pontos forem de qualidade equivalente, o fator preço vai se tornar importante e, se os gerentes das lojas e suas equipes forem de qualidade equivalente e prestarem serviços equivalentes, a competição resultará sempre em desgaste mútuo.

E os pequeninos (alguns nem tanto) lado a lado? Como é que eles fazem?

Suspeito que qualquer dono de padaria de bairro pode dar a resposta. Usando as vantagens que só os pequenos negócios dirigidos pelos proprietários podem oferecer. Me lembro aliás de um hotel onde eu ia quando pequeno, em Lambari, que orgulhosamente ostentava na sua placa e em toda a sua publicidade um aviso: Dirigido pelo proprietário, Fulano de Tal.

Vem à memória também os pequenos hotéis do interior da França e seus cozinheiros-proprietários com suas esposas-gerentes. Nada a eles se compara em matéria de serviço e atenção.

O segredo, as vantagens? Algumas, sem falar naturalmente de uma maior criatividade fiscal, digamos assim.

A primeira, é óbvio, é a tradução do velho ditado o olho do dono engorda o boi. Os pequenos detalhes, que somados resultam em lucro ou prejuízo jamais são negligenciados pelo português de lápis atrás da orelha. Isso inclusive se traduz no contato pessoal com os clientes e portanto numa capacidade maior destes exigirem o nível de qualidade que desejam. Isso também explica a sobrevivência, apesar de tudo, da feira livre: "freguês, a maçã hoje não está boa, não vou lhe vender...".

Outra vantagem extraordinária é a flexibilidade. O conhecimento imediato do que vende ou não vende, o controle atento do nível de estoques, controle este dificílimo nas grandes redes mesmo com o auxílio de poderosas ferramentas de informática. Isso pode dar a pequenos negócios teoricamente de menor capacidade competitiva um hedge inesperado e poderoso.

A capacidade de se ajustar rapidamente ao concorrente é muito grande. Manejando o negócio no detalhe, o comerciante pode decidir não perder uma venda se o seu momento assim o indicar. E vai buscar o cliente na porta e pela aba do paletó, se preciso for.

E fico pensando: quão bem sucedida será a grande empresa que um dia conseguir construir um modelo em que as vantagens de ser grande consigam se aliar às vantagens do pequeno negócio dirigido pelo proprietário...

 
Artigo originalmente publicado em Valor Econômico, 21/07/2003

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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