Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

Homens e máquinas

Meu joelho "à la Ronaldo", bioperado, joelho mais bombardeado que localidade palestina, me levou, no ano sem graça de 2002, a me tornar frequent flyer de hospitais e laboratórios, que, a propósito, lamentavelmente não dão milhagem. O que foi um teste para a minha reduzida paciência. Porque no Brasil investimos em máquinas e economizamos em pessoas (e no seu treinamento), ignorando processos.

Tal postura é, aliás, muito flagrante nos novos e "mudernos" condomínios comerciais. Os sofisticados sistemas de identificação instalados nas suas recepções são entregues a pessoas na maioria das vezes despreparadas e muitas vezes truculentas, acarretando uma ineficiência e demora sempre insuportáveis.

Num famoso laboratório de São Paulo o fenômeno se repete. O tal laboratório tem equipamentos provavelmente de Primeiro Mundo. Mas o uso deles, de altos custos, submete os pacientes a um real exercício de paciência, perdoem-me a redundância.

Tomemos como exemplo a realização de exames de ressonância e raios X. Primeiro, você enfrenta um primitivo sistema de senhas, apesar de ter hora marcada. Depois, preenche uma ficha, que certamente já existe nos porões dos poderosos computadores do laboratório.

Quando você pensa que superou as burocracias, uma vez que foi encaminhado para o front, a área onde os exames são realizados, você é convocado a preencher um relatório médico, do tipo que você já preencheu há algum tempo quando esteve lá para outros exames, sendo depois encaminhado a um vestiário e convocado a trajar um daqueles garbosos aventais que te fazem sentir doente mesmo que você não o esteja (não há auto-estima que resista). E espera 20 minutos no vestiário.

Finalmente, você vai para a assustadora máquina da ressonância, é colocado (ou inserido) naquele tubo dantesco, fica sozinho na sala. Passam-se minutos, longos minutos, sem que nada aconteça até que você começa a gritar como aqueles personagens de filme de suspense americano entrando numa casa em que a porta estava aberta: "alô, alô, alguém por aí?" (aliás, observe-se que tais personagens são sempre fuzilados, estrangulados ou esfaqueados). Do nada, surge um ser de branco que se digna a informar que a máquina está com um "probleminha", como, aliás, é sempre o caso com as máquinas no Brasil, elas parecem nunca ter um problemão. Solucionado o probleminha, vamos finalmente ao exame, ele em si rápido.

Terminada a ressonância, próxima parada, o raio X, coisa relativamente simples, certo? Não. Você é solicitado a preencher uma outra ficha e um outro relatório, pois aparentemente os que você preencheu antes não valem. E tome tempo e tome paciência.

Devo dizer que a experiência vivida é sempre importante, principalmente para aumentar a compaixão pelo que sofrem os milhões de brasileiros, que, além de tudo, não podem pagar os seus tratamentos médicos e se submetem às agruras do nosso sistema público de saúde.

Na verdade, o homem cria brinquedinhos maravilhosos e depois não sabe usá-los. Emprega sofisticados equipamentos, gasta dinheiro para comprá-los e mantê-los, e após economiza nos salários e no treinamento das pessoas que vão operá-los. É um tipo de miopia muito encontradiço.

Há portanto, no mercado, em qualquer setor, um espaço a ocupar por aqueles que saibam conjugar a força das máquinas com seres humanos mais preparados, treinados e felizes e com sistemas e processos mais inteligentes. A corrida está aberta!

 
Artigo originalmente publicado em Valor Econômico, 26/05/2003

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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