Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

James Bond, Sharin Stomen e o prazer

Coisas que acontecem no Rio de Janeiro. Sinal fechado, quase engarrafamento. Um tipo de aparência curiosa, beirando o grotesco, se dirige à minha janela, um monte de pacotes na mão:

— "Ô meu James Bond, vai um biscoito aí"?

Já começando a rir, perguntei o porquê da classificação bondiana, uma vez que pareço tanto com qualquer dos Bonds quanto uma abóbora parece com uma batata. E ele:

— "Pô, meu irmão, com esse jipe, esses óculos escuros e a Sharin Stomen do lado, você tá igual ao James Bond! Vamos lá, chefia, um é quatro, três é dez".

A essa altura já estávamos rindo muito das estratégias mercadológicas do cidadão. Mas ainda consegui resistir.

— "Muito caro", eu disse.

— "E a minha simpatia, chefe? O senhor devia comprar pelo menos como reconhecimento ao fato de que eu sou muito simpático, o que é difícil de se encontrar num mundo cheio de gente estressada"!

Resumo da ópera: compramos um absoluto supérfluo, que nós não queríamos e que ainda por cima era caro. Tudo isso como tributo aos dotes de venda do nosso anônimo irmão.

Mas o que interessa agora é examinar o ferramental usado na venda da qual eu fui "vítima" .

Primeiro, uma enorme capacidade de comunicação. Da boa escola dos Chacrinha, Silvio Santos e outros. Em segundo lugar, massagem no ego do cliente. Finalmente, o apelo à emoção, à simpatia.

Finalmente? Não, não é tudo. O nosso vendedor de rua tinha a seu lado um poderoso instrumento: o prazer. Ele estava nos fazendo rir num momento que de outra forma seria muito chato. E o riso num trânsito congestionado tem o seu valor. E ele transpirava prazer no que realizava. E por isso era competente no que estava fazendo.

O meu amigo Flávio de Almeida Prado, hoje residente na paradisíaca Búzios, vem se especializando na análise dos efeitos do prazer na eficiência empresarial. Temo, aliás, que ele ainda não tenha sido bem compreendido na sua pregação, num mundo acostumado a misturar prazer com culpa e trabalho com sofrimento.

Flávio chama a atenção que nos novos tempos quem decide sobre bens e serviços produzidos não mais é quem os produz, mas quem os consome, e estes consumidores exigem que seja produzido o que lhes dê prazer, satisfação. Da importância dos novos reinantes ganhou significado diferente a palavra atendimento, muitas vezes ignorada. Porque o prazer, que havia perdido sua batalha nos obscuros campos da intolerância religiosa, ressurge agora, de surpresa, vencedor nos competitivos campos de batalha comerciais.

Há claras indicações de que os consumidores decretarão em definitivo o estabelecimento da nova era do prazer. E as empresas, forçadas a buscar sua sobrevivência na máxima eficiência, não poderão dispensar a energia provinda da satisfação, que possibilita a quem faz com prazer fazer melhor. Por necessidade investirão naquilo que por séculos foi sinônimo de ócio e hedonismo. E já não está mais em suas mãos a decisão de trilhar esse caminho. Esse poder está nas mãos do mercado.

E, para aqueles que ainda hoje não perceberam a força intrínseca da energia do prazer, vamos lembrar que a busca do prazer, além de nos tornar mais eficientes, nos torna também mais exigentes...

 
Artigo originalmente publicado em Valor Econômico, 10/10/2000

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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