Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

O desafio de tocar oboé no Brasil

Grande sucesso de crítica e participante de duas dezenas de festivais, aqui e no exterior, entre eles os de Havana, Washington e Moscou. Ganhou o Prêmio da Crítica do Festival de Bombaim e o de público no Festival do Cinema Brasileiro em Miami. O argumento é terno e romântico, leve e popular. Mistura o realismo fantástico de Gabriel García Marques com o bem sucedido sentimentalismo de Giuseppe Tornatore, em Cinema Paradiso. Os atores têm excelente desempenho, a música é ótima e a direção idem. Adivinhem qual é o filme? Poucos conseguirão. Porque, na sua curta carreira, ele foi visto por apenas duas mil pessoas.

Assisti O Toque do Oboé outro dia e como todos os poucos que o viram, fiquei encantado e entusiasmado. É uma obra-prima? Não. É um filme perfeito? Não. Mas penso que teria todos os ingredientes para ser um razoável sucesso. No entanto, não foi. E por isso ele é um exemplo, um case, uma lição. Porque, através dele, estamos discutindo uma das questões cruciais do cinema brasileiro, a comercialização dos filmes.

O Brasil tem condições de desenvolver uma indústria cinematográfica digna desse nome. Temos talento em abundância, bem como competência gerencial. Há uma vontade e uma tradição de fazer cinema no Brasil.

No entanto, o caso do nosso Oboé não é único. Dezenas de excelentes filmes brasileiros não tiveram o sucesso que mereciam porque não foram bem lançados. E mesmo alguns que tiveram um relativo sucesso poderiam ter seu público dobrado se as circunstâncias da distribuição fossem mais favoráveis.

É possível imaginar uma grande cervejaria lançando seus produtos sem o devido volume de propaganda e com a recusa das lojas de varejo em distribuí-los? Ou o filme Titanic sendo distribuído em meia dúzia de cinemas, para ficar apenas uma semana, sem a brutal propaganda e o intencional debate sobre seus custos que o precedeu?

O nosso desconhecido Oboé é apenas um exemplo de que enquanto não conseguirmos equacionar adequadamente a cadeia de distribuição desse produto chamado cinema nacional, não teremos uma indústria brasileira de cinema. A pergunta, que não quer calar, é: como fazer isso?

Os especialistas que se manifestem, mas vejo alguns caminhos mais ou menos óbvios. O acordo prévio entre produtores, patrocinadores e distribuidores, em pacotes. Um número mínimo de semanas de exibição de filmes brasileiros, conjugado com um período mínimo contínuo de exibição por filme. Grandes centros públicos para exibição exclusiva de filmes brasileiros (alguns locais mais antigos e deteriorados das grandes cidades seriam ótimos para isso). Sistemáticas de pré-lançamento, com exibição gratuita em centros formadores de opinião, como universidades, etc. Lançamento prévio de CDs com as trilhas sonoras dos filmes. Participação mais ativa da televisão no processo de produção e divulgação. Divulgação do filme durante sua produção de forma a criar o appetite appeal para o filme, etc., etc., etc.

E a lista vai longe. Mas não será um amador como eu que vai apontar soluções consistentes e sustentáveis. Aos interessados, um desafio na arena: a proposição de um programa estruturado e de aplicação ampla que sirva como apoio aos produtores menos poderosos e preparados para o grande desafio de lançar seus filmes. Programa esse que fizesse parte da estrutura de custeio do produto, como parte indispensável da sua efetiva realização.

 
Artigo originalmente publicado em Valor Econômico, 26/03/2001

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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