Imaginem a cena. Calma manhã de inverno. Homem e mulher dormem abraçados. A paz permeia o ambiente. De repente, um grito pavoroso e estridente quebra de forma brutal o silêncio daquele momento:
— "Aaalô, Curitiba...!"
Não, não era cena do grande mestre Alfred ou de algum de seus seguidores menores. Nem eram Grace e Cary na cama (eles aliás nunca apareciam na dita cuja) mas um simples casal paulistano que, como muitas vezes faz, havia colocado o rádio relógio para despertar com a Rádio Cultura a tempo de ouvir o excelente Diário da Manhã do Salomão Shwartzman.
Acontece que um pouco antes do programa entram no ar os necessários (e cada vez mais necessários) apoios comerciais. E um deles é o do grito. Buscando vender as excelências de um serviço de comunicação por rádio, o comercial utiliza-se da voz profundamente desagradável de uma mulher tentando aos berros se comunicar com Curitiba. Registre-se porém que o título deste artigo é uma licença poética, pois o correto seria a histérica para Curitiba.
E é um comercial extremamente deslocado do calmo momento da manhã, da programação da Cultura e do programa que o segue. Aliás no break do meio do programa tem mais, tem o histérico para Belo Horizonte... bom, mas o tema aqui não é o comercial em si mesmo mas a velha questão de como encarar as obras publicitárias: eficácia sem preocupação com um mínimo de refinamento ou eficácia com, digamos, qualidade artística (é claro que a opção de qualidade artística sem eficácia não deve ser considerada...).
É possível que o comercial do grito venda bem o produto que se propõe a vender e é para isto que os comerciais existem (desde que o infeliz do cliente-alvo não acorde com o tal grito, pois aí, além de não comprar, ele passa a odiar o tal produto...). Mas precisava ser tão... desagradável?
Quando eu lidava com varejo alimentício essa era uma questão sempre presente. Era difícil convencer aos mais conservadores de que um anúncio de oferta não precisava necessariamente apresentar sempre um sujeito aos berros na televisão mostrando a batata a X reais ou a lata de cerveja a Y reais. Que era possível vender e vender mais com coisas criativas e interessantes e que respeitassem os ouvidos e o eventual bom-gosto do consumidor. Nesse sentido, vale lembrar duas campanhas muito especiais que tive o prazer de estruturar.
A primeira foi quando conseguimos convencer o George Washington (não o das notas de dólar mas sim o diretor de supermercados, um competente profissional do ramo e uma das pessoas mais simpáticas que já conheci) a levar seus bigodes e sua simpatia para anunciar na televisão o nosso então recém-criado Cestão dos Preços Invencíveis. E foi um sucesso total. A mensagem passou credibilidade. Ele era abordado pelos clientes nas lojas e alguns só faltavam pedir autógrafos. Uma cliente perguntou se George Washington era o nome dele mesmo ou se era marca fantasia...
Por causa de outra campanha, fui chamado de sanguinário pela minha saudosa amiga Vera Giangrande. Foi quando criamos a campanha do Caro Concorrente, campanha esta recente e descaradamente copiada por uma empresa de telefonia que ganhou um prêmio por ela!
Não sei se vocês lembram... "É aniversário do Caro Concorrente mas é o Pão de Açúcar que dá desconto de presente"... Sucesso de público e de bilheteria, reconhecido pelo próprio "caro concorrente", que mandou uma carta para a associação de classe pedindo o direito de fazer seu aniversário em paz...
Para resumir, eu realmente acho que comerciais não devem ser feitos para ganhar prêmios mas sim para vender. Isso não quer dizer que eles devam abrir mão de um pouquinho de bom-gosto, que, afinal, não faz mal a ninguém...
Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.
Copyright © 2004-2019. Todos os direitos reservados.