Um lugar onde todo mundo quer estar. Onde todo mundo está por prazer. Um lugar de grande extensão. E de grande densidade populacional. Milhões de pessoas. De todas as idades, faixas de poder aquisitivo, gostos, tendências políticas. Um local liberado e liberal. Um mercado ideal. O melhor mercado do mundo: a praia de um dia de domingo no Rio de Janeiro.
Penso que ainda não se descobriu, e portanto não se explorou, o real potencial de um domingo de praia no Rio. Claro que todo mundo sabe que "lá tem muita gente" e para lá corre uma multidão que quer vender alguma coisa.
Eu diria que, no aspecto de ocupar espaços, os pequenos empresários que se apossam de um pedaço de areia se saem melhor do que as empresas, de menor ou maior porte, que tentam se aproveitar do intenso footing na calçada.
Na areia, os afortunados que dominam um pedaço e lá implantam sua barraca estabelecem contraste claro com os ambulantes de excelente preparo físico que carregam seus produtos do Leme ao Leblon e por toda a Barra.
Não sei qual é o critério ou estrutura mafiosa que estabelece quem vai ter um foot hold em frente ao Country ou não. Aliás, o fenômeno não é exclusivo dos vendedores de refrigerantes e similares, pois as redes de vôlei (ou seus postes cravados na praia) também tem "proprietários". Penso que, nestes termos, talvez não demore a surgir o MAS (Movimento dos Sem Areia) ou o MSRV (Movimento dos Sem Rede de Vôlei).
Bem, voltando aos barraqueiros, é muito interessante ver como se estabelece um serviço de alta velocidade e qualidade. Atentos, você pisca e eles te entregam a cerveja gelada. Gelada mesmo. Mantida gelada, aliás, por uma logística quase militar, com os caminhões de gelo passando de tempos em tempos e o gelo fluindo das calçadas para a areia nas costas de diligentes auxiliares.
Estabelece-se também na praia um sistema automático de crédito que nunca vi nem no tempo das cadernetas de armazéns (vocês sabem, já sou antiguinho...). O barraqueiro escolhido (porque há concorrência) passa a ser teu exclusivo e só cobra tua conta no final. Suspeito que o nível de inadimplência seja muito baixo, deve haver olheiros bem atentos e de pés rápidos.
Por seu lado, pela areia desfilam todas as espécies de produtos. Devidamente anunciados por barítonos e tenores desdentados, de pernas fortes e corpos queimados. "Natural, natural, sanduíche natural", lembram o impacto? E temos mate, refrigerantes, cervejas, bronzeadores, protetores solares variados, toalhas e cangas, colares, bijuterias (especialidade de argentinos eternamente hippies), camisas de clubes, etc., etc. Um mercado infindável e, creio, substantivo.
Na calçada, ao contrário, não se vê a criatividade que seria necessária. Há idiotas com carros de som em altíssimo volume apregoando seus produtos e serviços sob o complacente olhar das não autoridades. Tais poluidores auditivos evidentemente conquistarão mais cedo ou mais tarde a antipatia dos moradores e visitantes da orla. Há também uma distribuição tímida de amostras de produtos, por simpáticas e meio perdidas moçoilas de saias curtas e panfletos canhestramente distribuídos. Vejo, no entanto, pouquíssima presença de empresas de artigos esportivos, por exemplo.
E temos ainda o mar. Nele, ridículas escunas desfilam outdoors flutuantes, enquanto que raquíticos aviõezinhos puxam suas faixas de propaganda, isso há anos.
É tudo amadorístico e meio primitivo. Penso que vale uma pesquisa e um projeto de trabalho de alguém mais interessado. Não é sensato deixar tal mercado tão mal explorado. Há muitos olhos e ouvidos que, de vez em quando, se desviarão dos corpos deslumbrantes para ver e escutar o que você está vendendo...
Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.
Copyright © 2004-2019. Todos os direitos reservados.