Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

Publicidade também pode ser educativa

Existem coisas simples e triviais que poderiam fazer nossa atribulada vida mais fácil, particularmente nas grandes cidades. Não estou falando de uma ampla rede de metrô, uma polícia eficiente e educada, etc., etc. o óbvio enfim. Refiro-me a coisas que não custam nada e dependem só de nós. E ninguém faz marketing dessas coisas. Até hoje poucas empresas se utilizaram de campanhas para alavancar vendas ou melhorar sua imagem corporativa que concomitantemente correspondessem a um processo educativo do público-alvo. Para ilustrar a tese, e só como provocação, aí vão alguns exemplos (primitivos, registre-se) de campanhas que poderiam ser montadas com esse duplo objetivo:


  • Filme 1: O morador do 15º andar segura a porta do elevador enquanto sua digníssima esposa termina de dar suas últimas e extensas recomendações às empregadas. O elevador finalmente é "libertado" e para no 10º andar, onde o respectivo morador, impaciente com a demora, entra irritado e diz: "Nota-se que vocês não estudaram no Colégio X". E a voz em off afirma: "Colégio X, educando para que todos tenham uma vida melhor". Ou ainda: "Colégio X, onde educar é ensinar a viver". Ou ... bom, deixemos os profissionais de criação pensarem no assunto.

  • Filme 2: O acostamento de uma estrada sendo usado pelos habituais "espertos". A película exibe carros de diversas fábricas andando no acostamento e mostra na estrada um carro da marca a ser anunciada conduzindo uma família tranqüila ouvindo música. Voz em off diz: "Quem dirige um carro X não precisa andar no acostamento, desrespeitando os outros e sendo multado. Porque tem conforto mesmo nos piores engarrafamentos e é gente de muita classe".

  • Filme 3: Passageiros tentam colocar nos bagageiros de uma aeronave todo o estoque encontrado na tal rua de New York por todos idolatrada. Uma companhia aérea anuncia que vai seguir o princípio bíblico e fazer com que os últimos sejam os primeiros, embarcando a fila 20 antes da fila 19 e evitando que a hercúlea tarefa do passageiro da fila 2 de acomodar sua "modesta" bagagem cause a paralisação do embarque do resto do avião. Filme mostra em seguida a calma com que todas essas pessoas tentam acomodar os "bagulhos". (É evidente que a fome de "bagulhos" não pode ser contida por nenhuma campanha institucional ... Vamos então minorar as inconveniências).

  • Filme 4: Para fazer as pessoas entenderem que suas conversas no celular são assunto de seu interesse e não da coletividade que a cerca. Cena de um típico berrador de restaurante e a voz em off dizendo: "Quem tem um Celular X não faz essa coisa feia. Porque quem possui um Celular X ouve bem e é bem ouvido. E sabe o que é ter classe". A propósito, é muito engraçado ouvir os "brazucas" falando alto num restaurante em NY de como é irritante essa maneira de brasileiros falarem aos gritos nos restaurantes de NY...


Caros leitores, não são os excluídos ou as camadas de menor poder aquisitivo que seriam atingidos pelo pequeno jogo que estamos propondo — seríamos todos nós. Por isso acho que um marketing criativo poderia fazer desse limão, que é nossa crônica falta de educação, uma produtiva e gostosa limonada.

 
Artigo originalmente publicado em Valor Econômico, 05/12/2000

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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