Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

Ronaldo, Pelé e a faca de dois legumes

Caro leitor: você começou a ler este artigo atraído pela curiosidade de saber o quê um título tão idiota faz em um jornal sério como este. Então, caro leitor, funcionou o marketing que todo título de livro, filme ou lá o que seja deve conter. O título trouxe você para conhecer o produto, neste caso meu artigo de estréia. Agora, ou você vai ficar irritado com a armadilha ou satisfeito de ter começado a ler este artigo. Nesse ponto, entra em cena vossa percepção da qualidade — não seria o frescor? — do peixe que estou lhe vendendo, ou seja, o "valor" objetivo que o conteúdo deste texto tem para vossos propósitos.

De passagem, permitam-me uma digressão: penso que o resgate da segunda pessoa do plural, usado com moderação, ajuda na clareza da Língua Portuguesa.

Bom, voltemos ao assunto. Num mundo cada vez mais virtual e menos cartesiano, num mundo onde há até amores virtuais e amizades virtuais, a criação ou construção de realidades injetadas na percepção pública tornou-se lugar comum. O trabalho de construtores de imagem tornou-se essencial para atletas, políticos, empresários e artistas. A força da mídia aliada a uma cada vez mais sofisticada tecnologia de marketing cria e destrói mitos e pessoas.

Estaríamos então vivendo sob o império da ficção, sob o domínio do marketing implacável e selvagem? Na minha modesta opinião, um pouco, o que já é preocupante. Sabemos de políticos construídos pelo marketing, conhecemos futebolistas cujos gols não correspondem a 10% da sua fama, vemos atores e atrizes de discutível talento, mas indiscutível capacidade de promoção atingindo os píncaros da fama. Terá chegado o tempo da farra da fraude e da festa da farsa, ou vice-versa? Calma lá, que nem tudo é assim.

Felizmente, e como decorrência do cada vez maior nível de informação disponível ao grande público, vemos o surgimento de uma massa de consumidores cada vez mais exigente e organizada. O novo consumidor — os ombudsman de empresas o sabem bem — é cada vez menos enganado pelos artifícios de marketing dirigidos à maquiagem de um produto, de uma pessoa ou mesmo da realidade. O primeiro mandamento do bom marketing, portanto, seria cuidar para que os atributos básicos do produto correspondam à imagem vendida.

A verdade, de certa forma alentadora, é que se por um lado o marketing do engodo aumentou, cresceu por outro lado mais que proporcionalmente a "consumidocracia", e com ela os instrumentos de detecção do logro e da mentira. Assim, será cada vez mais arriscado tentar "marquetear" produtos ampliando-lhes ou falseando-lhes os méritos ou atributos. Mais depressa do que se pensa, os mentirosos da mídia serão pegos e implacavelmente punidos pelo maior dos carrascos: o público consumidor ou eleitor.

Aguardemos para breve, portanto, o próximo e necessário advento da era do marketing da verdade. Onde o papel da comunicação mercadológica será claramente o de chamar a atenção para os reais méritos, qualidades e características de um produto, de um atleta, de um artista, maximizando seu conhecimento pelo público. Onde Pelé será Pelé e Ronaldo será Ronaldo.

 
Artigo originalmente publicado em Valor Econômico, 02/05/2000

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

Termos de uso  •  Contato