Imaginem a cena: Tarcísio dirigindo, numa novela qualquer das oito. Glória a seu lado. De repente, o trânsito estanca após um cruzamento. Tarcísio — o seu personagem sendo "esperto" como todos nós brasileiros — vai se adiantar e naturalmente atrapalhar o trânsito todo. Quando Glória lhe diz: "Se você passar agora, vai bloquear o cruzamento e os carros de lá não poderão passar". E Tarcísio, concordando, pára pacientemente e espera que o engarrafamento após o sinal se desanuvie para então prosseguir, como um bom e civilizado motorista.
Outra cena: na mesma novela, descuidadamente, um ator conhecido pega uma lata de cerveja para beber. Descuidadamente, também, a câmera revela o rótulo. Poucos minutos, descuidadamente, conseguimos ver a marca de cigarros que o simpático galã fuma, se é que galãs ainda fumam.
O que as duas cenas têm em comum? Atos de merchandising explícito, ou, traduzindo mostram produtos de forma "discreta" e indireta ao público telespectador. É a propaganda não assumida como tal. Uma arma válida e poderosa, se bem usada. E cada vez mais usada.
É pena, no entanto, que o merchandising da boa educação, dos bons costumes e da civilidade não seja encontradiço. Uma cena como a descrita no início deste artigo teria mais impacto educacional do que dezenas de chamadas de uma campanha institucional. Mais eficiente do que isso só a aplicação de multas rigorosas, que, aliás, é necessária em qualquer circunstância e em qualquer país. A menos que o leitor se inclua dentre aqueles que acreditam que os suíços, ingleses, alemães, etc. cumprem a lei porque são indivíduos melhores do que nós. Não, eles cumprem porque a sociedade aplica as penas da lei com rigor.
Penso que os meios de comunicação não assumiram ainda o pleno escopo de sua responsabilidade no aspecto educacional. E não me refiro apenas ao baixo nível de boa parte da programação, mas também à ausência de uma mais ativa política de esclarecimento público, de apoio à educação, que seria uma contribuição bem vinda e barata para a educação do nosso povo. Um dos grandes problemas do subdesenvolvimento, causa e efeito dele, é a educação ou a falta dela. Se parássemos todos para pensar, veríamos que a nossa falta de educação complica a vida de todos. O mal educado que trafega pelo acostamento é o mesmo que vai tentar entrar de volta na estrada algumas centenas de metros depois e agravar substancialmente o engarrafamento que ele tentou evitar, gerando novos "espertos" no acostamento e piorando mais ainda a situação e etc., etc.
A desorganização de filas, o desrespeito a lugares marcados em teatros e campos de esporte, o idiota que grita no meio de um jogo de tênis, a esperteza generalizada e deletéria que incomoda a todos, tudo isso poderia ser abordado e cuidadosamente atacado por um inteligente e sistemático merchandising educacional, que, repito, seria melhor que muitas campanhas oficiais.
É fácil, rápido, barato. É só querer.
Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.
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