Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

Água em Marte e outras histórias

I - Saiu nos jornais: o chamado Planeta Vermelho pode ter abrigado água em sua superfície há alguns milhões de anos atrás.


Por outro lado, recente relatório do Pentágono (logo de quem...) prevê que o caos no clima da terra causará fome e guerra, talvez em menos de uma década, pela intensificação de secas e inundações. E cientistas culpam o homem pela pior onda de calor que a Europa teve em 500 anos, no último verão.

Sempre me pergunto por que o homem, com tantos problemas na Terra, vai às imensidões do universo em busca de respostas para perguntas que ele não sabe quais são.

É claro que todos sabemos que os grupos econômicos por trás dessas navegações espaciais são muito poderosos e não estão nem um pouco preocupados com o fato de que o dinheiro gasto na exploração espacial poderia, esse sim, acabar com a fome no mundo.

Mas talvez haja explicações mais sutis para tal atitude. Quem sabe, no mais profundo do inconsciente coletivo, o homem não esteja em busca de um aprendizado, de uma lição?

Quem sabe Marte, um dia, já teve sua camada de ozônio ou equivalente? Quem sabe teve água e campos verdejantes? Quem sabe em algum momento os nossos irmãos marcianos não começaram uma sistemática destruição de seu planeta pelo desrespeito a sua natureza, fosse ela qual fosse?

E quem sabe um dia o todo poderoso de lá, um certo Pigmaleão de Souza, disse que não queria saber dessa história de protocolos e outras bobagens que visavam proteger o meio ambiente? Sei não, como diriam os do Nordeste. Mas, si non è vero, pode ser bene trovato...

II - São Paulo, neste momento, ostenta um número glorioso de enormes e modernos prédios de escritório, de estilos arquitetônicos variados, mas com uma característica em comum: vazios, ou quase.

O dinheiro que falta para que tenhamos boas estradas ou façamos os investimentos necessários ao crescimento sustentado não se incomoda de ficar ocioso na forma de modernas pirâmides insensatas de vidro, cimento e aço. Dirão alguns, é dinheiro da iniciativa privada, que faz com ele o que quiser. É verdade. Mas o Estado dispõe de mecanismos para induzir o curso dos investimentos. Inclusive por que os fundos de pensão estatais são muitas vezes pesados investidores nesses elefantes verdes ou cinzentos ou que cor sejam...

III - Como carioca da gema (e de Vila Isabel), me sinto à vontade para falar sobre meus conterrâneos e repassar os interessantes comentários que ouvi de minha amiga baiana outro dia no almoço.

Segundo ela, o carioca, como coletividade, homens e mulheres, se acha o povo mais esperto, mais inteligente, mais lindo e mais charmoso de todo o planeta. Um caso de vaidade coletiva nunca visto. Ela atribui tal característica a três fatores principais: o primeiro é o fato de termos sido capital, Corte, com os efeitos disso ainda permanecendo em nossa memória coletiva.

Depois, a geografia da cidade, a mais bonita do mundo (e é mesmo...), que nos dá orgulho e nos torna narcisos. E, em terceiro lugar, o fato de a TV Globo estar no Rio de Janeiro, com seus artistas e seu charme.

Temos, segundo ela, algumas apreciações muito estranhas. Em alguns bares, por exemplo, o charme é o garçom ser mal-humorado, resmungar, ter cara feia. Tal característica acrescenta um valor adicional ao serviço do cavalheiro, quando ele se digna a prestá-lo. Por outro lado, o carioca teria um grau elevado de politização perversamente afetado por um baixo nível de exigência, seja para a qualidade das coisas seja para a qualidade dos políticos.

Finalmente, diz ela que os baianos que emigram para o Rio e para São Paulo são completamente diferentes. Baiano que vai para SP quer trabalhar e ganhar muito dinheiro. Baiano que vem para o Rio quer ser artista...

A conversa fez-me pensar. Nos achamos muito espertos e malandros, e estamos acabando com uma cidade que era realmente maravilhosa. Estamos deixando as empresas fugirem do Rio sem nada fazer. Nosso orgulho de Corte nos impede de ser o que julgamos provincianos e de defender nossos interesses com unhas e dentes.

E aí me lembro de velha frase, carioca, aliás: "Se malandro prestasse atenção no como é complicado ser malandro, deixava de ser malandro só por malandragem"...

IV - Estava eu posto, não em sossego, mas em irritação, parado de carro no já usual engarrafamento da minha rua, quando uma cena corriqueira me chamou a atenção. Dessas cenas pelas quais você passa desapercebido dezenas de vezes, a não ser que por alguma razão os nervos da alma estejam expostos no momento preciso.

Na minha rua há dois bufês onde se realizam festas de casamento. À frente de um deles, diligentes funcionários se dedicavam a desmontar enormes, suntuosos e belíssimos arranjos de flores, que, ainda intactas, eram impiedosamente jogadas no lixo.

Quanto desperdício de dinheiro e de beleza, pensei, por uma noite de luxo. E que metáfora, me veio à mente! Quantas relações ali celebradas terão destino semelhante àquelas flores, breves e terminando ainda em pleno viço?


 
Artigo originalmente publicado em Valor Econômico, 04/10/2004

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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