Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

Beethoven versus Rambo: o jogo final

A violência se instalou no nosso dia a dia, triunfante e autoritária. Não só na sua forma concreta e já vivenciada pela maioria esmagadora da população mas também pela presença permanente e marcante na nossa televisão cotidiana. Telejornais e programas "especializados" no mondo cane se banqueteiam com os suculentos pratos servidos pela realidade miserável em que vivemos, saciando nossa cega morbidez.

Estamos aliás todos muitos acostumados em reclamar do baixo nível da programação da nossa TV e da aridez dos nossos meios de comunicação. E falamos, e mais falamos, e o problema é um dos assuntos favoritos nas conversas à beira do chope. E não fazemos rigorosamente nada a respeito.

Estaremos nós sem ver a luz no fim do túnel ou, pior, será que as eventuais luzes que vemos são de um trem descontrolado em nossa direção? Estaremos encurralados à beira de um desfiladeiro, sitiados pela nossa incompetência coletiva em lidar com os imensos problemas que compõem nosso mosaico social? Espero que não.

Miríades de autores bem mais qualificados e competentes que eu têm apontado caminhos para a solução das equações econômico-sociais deste País. Quero eu no entanto colocar aqui um ingrediente novo na discussão sobre a violência, uma pitada provocativa de questionamento.

Penso que uma das armas potencialmente poderosas para combater a violência não está sendo usada: a elevação do nível cultural de nosso povo. Em outras palavras, a cultura é um dos caminhos para acender nossa esperança de uma vida mais decente e segura.

É bem verdade que Hitler adorava Wagner. É bem verdade também que alguns torturadores de grande habilidade exerciam seu ofício ao som da Morte e a Donzela, como é verdade também que alguns gestores de campos de concentração eram pessoas de fino trato e "sensibilidade" artística.

Por outro lado, não é mais provável que Sandro-174 nunca tenha ouvido a Pastoral de Beethoven e que tenha visto várias vezes Rambo, e similares?

Será que nós percebemos, como sociedade, que o hábito de não ver o belo nos acostuma com o feio? Nos acostuma com o feio da pobreza, da miséria, da nossa injusta distribuição de renda?

O belo então é a revolta. O belo é então a alternativa. O belo é então o antídoto.

E como resgatar o belo? Acreditando que a beleza é importante. Acreditando que investir no aculturamento das pessoas é fundamental para seu crescimento como seres humanos. E que a pujança material não pode ser dissociada do crescimento espiritual. E que fazer das pessoas seres pensantes não é um desperdício de dinheiro e sim um importante investimento na preservação de uma sociedade civilizada.

Chamo a atenção dos leitores para o fato de que as grandes potências militares e econômicas são também grandes na sua visão cultural. Não importando o matiz ideológico que tenham ou tenham tido. USA potência capitalista ou Rússia comunista. E isso não é por acaso.

E nós continuamos achando que investir em cultura é desperdício, coisa de intelectuais, coisa de tolos ou sonhadores. Quando na verdade tal investimento é uma expressão de sobrevivência, de independência. Cultura é matéria vital. Tanto quanto o pão. Pois a obscenidade da ignorância é campo propício à fermentação da insensatez e da violência.

Cultura não é condição suficiente mas necessária ao nosso resgate social. E sem cultura não haverá salvação.

 
Artigo originalmente publicado em O Globo, 03/07/2000

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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