O Brasil é o país dos doutores. Infelizmente não me refiro aos médicos, mas sim aos doutores fajutos em que nos transformamos ao colocar um terno ou dirigir um carro melhor. Doutor no Brasil é mais ou menos equivalente ao curioso governor com que os cockneys londrinos se dirigiam à classe dominante inglesa.
Para se assegurar de ser mais doutor ainda (e principalmente se sentir mais legítimo ao ser chamado de doutor), o brasileiro precisa então ter um diploma de um curso superior de qualquer coisa. Não importa do que, mesmo.
Escolas e faculdades de nível muito fraco se multiplicam, formando "doutores" de coisa alguma, que vão fazer concorrência a profissionais bem formados, que ainda existem. Enquanto isso rareiam os profissionais de nível médio, técnicos habilitados, artesãos, marceneiros.
Dois exemplos para ilustrar a tese. Outro dia, andava eu de táxi no Rio de Janeiro e o motorista, além de ouvir música clássica de extremo bom gosto, conversava de forma articulada, em excelente português. Comentei isso com ele e descobri que ele era engenheiro. Perguntei de onde, Fundão foi a resposta. Ao perguntar o ano, descobri o que suspeitava: ele era meu colega de turma. Dirigindo táxi.
Nada de menor ou de depreciativo no dirigir táxis. O brasileiro precisa, aliás, aprender a respeitar o trabalho, qualquer trabalho honesto. O problema é que tanto meu colega quanto o erário público não precisariam ter investido cinco anos para ter um engenheiro motorista de táxi. E quem sabe o emprego que ele não encontra está ocupado por um "profissional" de nenhuma qualificação que aluga o seu número do CREA para qualquer um?
Outro lado da questão é bem ilustrado pela estória do Zé, que foi meu vizinho na juventude. Era o melhor mecânico que eu já conheci. Eu tinha uma MG 49 com os problemas que só os que tiveram uma MG 49 podem entender. Ele tinha um Alfa 53, que era um brinco. Zé ouvia meu carro funcionando no térreo e, do seu apartamento, gritava: "...velas sujas, cilindro rateando!". E acertava em cheio. Zé ajustava carros de um jeito que o faria disputado por qualquer McLaren, Ferrari ou Williams de hoje em dia. Zé tinha, no entanto, que ser doutor. Fez aos tropeços um curso de Administração e depois um concurso, para o INPS eu acho. O mundo perdeu um excelente mecânico e ganhou mais um burocrata. Burocrata doutor.
E onde entram os malabaristas?
Desde que um argentino, dizem, começou a exibir suas duvidosas habilidades num sinal da Lagoa, multiplicaram-se no Rio os meninos a jogar bolinhas para o ar na frente dos sinais. Como se alguém estivesse interessado nas suas mais ainda duvidosas habilidades. Ou seja, o malabarismo que cada vez mais rareia no manuseio da bola grande pelos garotos brasileiros tenta se transferir para pequenas bolinhas num sinal qualquer.
O pior é que parece que já há os gigolôs de malabaristas, esperando na sombra para recolher os frutos da exibição dos nossos jovens "artistas". É mesmo o fim da picada.
E chegamos aos picaretas de mancheia. Descubro na minha conta telefônica um débito em favor da LBV. Fico revoltado. Mando cancelar e descubro que a empregada "autorizou". A coisa é colocada de tal jeito que a pobre sequer entendeu direito, mas autorizou. Não vou expressar minha opinião sobre a LBV, imaginem vocês qual é. Mas me revolto que o meu provedor de serviços telefônicos entre nessa, aliando sua imagem a tal processo. Quantos desavisados não acabaram pagando sem perceber. Como diria o Boris, uma vergonha!
"Doutores", malabaristas, picaretas demais. Trabalho de menos. Sintomas das mudanças que precisam ser feitas neste País.
Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.
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