Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

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Mexa-se, BNDES, pelo amor de Deus

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES. Um conjunto de cérebros privilegiados. Um grupo coeso voltado para um objetivo maior: o desenvolvimento do país. O BNDES se caracteriza por uma atitude de vanguarda nos grandes programas de desenvolvimento nacional. Não responde a impulsos, antecipa-se a eles. Agora, tem de novo um papel a cumprir. O país mudou. São claras as lacunas no nosso mosaico industrial, que o BNDES pode desde já preencher.

SOS, BNDES! A economia precisa de ajuda! A mínima estabilidade econômica tem mostrado a fragilidade da nossa estrutura de oferta de produtos industriais, acomodada à satisfação de uma demanda de poucos. Uma demanda artificialmente pequena em função de uma perversa estrutura de renda, tornada ainda mais perversa pelo confisco chamado inflação. Com o real, faz-se timidamente presente uma demanda maior por pequenas coisas, triviais e inelásticas em qualquer economia maiúscula, como artigos de limpeza, de higiene e até de alimentação.

Esbarramos rapidamente em nossos limites. É aumentar o consumo e pronto: nos deparamos rapidamente com a ameaça da falta de produtos. É claro que a capacidade nominal da nossa indústria seria suficiente para suprir o aumento de demanda, ainda pequeno perto do que ocorreria se houvesse uma real redistribuição de renda. Mas aumentos de produção implicam riscos, e boa parte das nossas indústrias prefere ainda — e que hábito difícil de quebrar — apelar para o aumento de preços, numa interpretação distorcida das leis de mercado.

É curioso, aliás, ouvir a alegação de que em alguns casos os preços aumentam aqui porque os preços internacionais estão em alta. Alguém se preocupa em baixar os preços porque os preços internacionais estão em baixa? Falar ainda nas importações como absolutas reguladoras de preços é, no mínimo, excesso de otimismo, se pensarmos nas imensas dificuldades burocrático-portuário-kafkianas que a importação em massa de bens de consumo tem de enfrentar.

Devemos, por outro lado, admitir que o risco mais ameaçador para os que produzem é a aposta de que a estabilização — e a demanda — é para valer e que o governo não vai atrapalhar de novo. Mesmo com essa ponta de incerteza, vivemos um momento rico e decisivo. Podemos alcançar um novo patamar de produção e de riqueza. É preciso, no entanto, uma injeção de confiança nas classes produtivas para que isso aconteça.

É aí que entra o nosso BNDES. Há indicações de que dali já estão surgindo de novo formas criativas de apoio à produção. A proposta da criação de uma taxa referencial de juro para operações de longo prazo se coloca nesse contexto. E o apoio, aliás, não precisa ser necessariamente financeiro. Há outras opções: avais, fianças, participação no risco do aumento do capital de giro, importações de indústrias turn-key (temos dólares, certo?), intermediações de parcerias com o varejo, enfim, várias formas pelos quais o BNDES pode induzir um momento novo na nossa indústria sem recorrer a cansadas e nem sempre eficientes linhas de crédito. Devemos pensar na economia como um todo, olhando para a competição internacional e admitindo até colocar em risco empresas que, amparadas que foram no seu nascedouro, não souberam crescer e se quedaram crianças industriais num mundo de adultos.

Pode parecer um paradoxo, nos tempos de hoje, requisitar a retaguarda de um banco estatal para fomentar a maior competitividade das empresas privadas. Não é. Não se defendem esmolas ou protecionismo. Pede-se apoio a quem tem a missão de oferecer.

Em qualquer país civilizado é assim. O Brasil vive um momento em que é preciso investir mais nos setores que atendam ao consumo, ao mesmo tempo permitindo-lhes o suprimento de equipamentos e matérias-primas competitivas, ainda que venham a ocorrer, como conseqüência, algumas "mortes", diríamos, anunciadas. Competição e eficiência devem ser a palavra de ordem. Custe a quem custar, doa a quem doer. O resto é cartório e é paternalismo.

Desculpem-me a ousadia. É que essas coisas nos afetam, ao varejo. Somos um setor intrinsecamente competitivo. Não podemos pedir, por exemplo, que se imponham alíquotas aos preços dos nossos concorrentes estrangeiros, só porque eles são estrangeiros. Temos é de competir com eles, preço a preço, produto a produto, serviço a serviço, dia-a-dia.

O que nós queremos é ter nas nossas prateleiras os produtos que o nosso consumidor precisa e deseja, com a qualidade adequada e a preços justos. O BNDES pode ter um papel fundamental ajudando a colocar a economia nos trilhos do futuro. É preciso que o novo governo, no qual depositamos tantas esperanças, entenda isso e mobilize todo o potencial dessa preciosa ferramenta à sua disposição. Se isso acontecer, sairemos todos ganhando. Os empresários, os consumidores, o país.

 
Artigo originalmente publicado em Exame, 01/02/1995

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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