Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

O Ivanov melhor que Ivanov

Somos velhos quando temos mais arrependimentos do que sonhos, alguém já disse.

O ácido retrato de uma sociedade envelhecida e sem sonhos é o pano de fundo com o qual Anton Tchekov emoldurou as angústias do fazendeiro Ivanov, dividido entre a pureza e a canalhice, entre a integridade e a fraqueza, entre o amor e a indiferença.

Ivanov, em montagem do Grupo Tapa no Teatro Aliança Francesa, São Paulo, é mais do que uma peça de teatro: é um pouco catarse, um pouco sessão de análise, um pouco tribunal.

Num ritmo estruturado e implacável, o grande autor russo nos aponta sem piedade nossa pequenez, nossa indiferença, nossa dualidade. Inadvertidamente, sentimos que há — ou pode haver — um Ivanov em cada um de nós, talvez nunca descoberto, porque, afinal, nossa sociedade acolheu calorosamente o Prozac (sem desprezar a vodka abundantemente consumida na Rússia tchekoviana).

O diretor do Tapa, Eduardo Tolentino, me surpreendeu quando disse que sua montagem de Ivanov seria melhor do que a montagem nova-iorquina no Lincoln Center, com Kevin Kline. Seria possível o mais recente Ivanov brasileiro ser melhor do que o do poderoso Lincoln Center? Acreditem, é! Porque a montagem é mais moderna e ao mesmo tempo mais legítima. Mais conjunto e menos exibição. Mais densidade e com uma paradoxal leveza. Mais teatro e, assim sendo, um teatro mais fiel.

A montagem do grupo se aproxima do exagero na sua firmeza em não ceder a concessões de qualquer natureza. Na montagem americana, por exemplo, a reunião na casa dos Lebedev se transformou quase que em uma ópera bufa, inclusive apelando a uma caracterização exagerada do criado Gravila, que se transforma num "amaciador" também exagerado das viscerais tensões da peça. Por outro lado, ao final, Tolentino encontra belíssima saída para poupar à platéia a visão do sangue derramado por Ivanov, articulando um backstage que, aliado a belo jogo de luzes, resulta em inteligente grand finale.

Os impecáveis figurinos de Lola Tolentino — de categoria nova-iorquina com o apertadíssimo orçamento de teatro brasileiro — vestem um elenco uniforme e competente.

Denise Weinberg é hoje — mesmo que alguns ainda não tenham percebido — uma das grandes damas do teatro brasileiro e está "sobrando" no papel da esposa-vítima de Ivanov. Destaque especial para a impressionante Sasha de Clara Carvalho, que enche o palco com a sua paixão e intensidade. Quanto a José Carlos Machado, enfrenta com competência o dificílimo papel de Ivanov, armadilha que deixa os menos atentos da platéia confundindo as posturas, as indecisões, e mediocridade do personagem com a própria interpretação do ator.

Enfim, programa imperdível. Para se ver, para se pensar.

 
Artigo originalmente publicado em Bravo, 01/06/1998

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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