Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

Os onze mandamentos

E no fundo, no fundo, a culpa é mesmo d'Ele. Logo Ele, que dizem brasileiro, e que, assim como chamou Moisés ao Monte Sinai e lhe entregou as Tábuas Sagradas, deveria, em 1985, chamar um José brasileiro e lhe entregar os tapes sagrados (afinal, tudo se moderniza).

Ele não o fez, dizem alguns que por esquecimento, dizem outros que não por razões que só Ele conhece.

De qualquer forma, fontes bem informadas e que preferem o anonimato (a ira d'Ele, afinal, é pior que um decreto de demissão) tornaram pública sua orientação para o povo desta tropical terra ainda prometida:


1. Amarás a democracia sobre todos os regimes de governo, não na retórica, mas na prática permanente. Terás governo parlamentarista, com representação distrital (de modo a que tuas comunidades tenham reais representantes) mesclado com representação proporcional (de modo a que tuas minorias não fiquem ausentes).

2. Reduzirás o Estado às suas funções indelegáveis, eliminando sua presença alhures. Deve o Estado cuidar da Educação, Segurança e Saúde, prioritariamente da Educação primária, por esta entendidos, mais explicitamente, o bom uso da língua portuguesa, as operações aritméticas fundamentais e os conhecimentos básicos de higiene e comportamento comunitário.

3. Guardarás com zelo e carinho a integridade da tua natureza, não porque és puro de espírito ou és romântico, mas porque teu próprio instinto de sobrevivência assim te diz.

4. Honrarás tua Dívida Externa, sim, mas com absoluta inteligência e através da negociação, não da covardia, da habilidade e não da bazófia. Entenderás que a Dívida, se não pode ser paga, tampouco poderá ser esquecida. Perceberás que há muitas faces a salvar, muitas derrotas a serem travestidas de vitórias. E perceberás que a Dívida Externa e a Dívida Interna serão poderosos instrumentos para transferires da mão do Estado tudo que ele não deva ter, embora o queira.

5. Abrirás tua economia ao comércio com todos os países do mundo, corajosa mas sabiamente. Jogarás com as regras do mercado e não serás inocente quando o jogo for duro, mas serás cooperativo quando a liberdade falar. E usarás os preços do mercado internacional e o realismo cambial para adequar teus preços internos, prescindindo de controles formais de preços sem caíres na ditadura dos monopólios ou oligopólios.

6. Abrirás teus braços ao inversor estrangeiro, uma vez que, afinal, precisas da poupança externa e precisas dos empregos que por ela serão aqui criados. Estarás seguro de que és grande, soberano, independente e que nada deves temer, a não ser o próprio temor.

7. Tornarás ágil e moderna a tua justiça, de forma que a lei seja simplesmente cumprida e que, quando não a for, tenham os cidadãos a confiança em procurar os tribunais, sem temer anos de delongas e de postergações. Moralizarás a tua polícia, de forma que teu povo a use e não a tema. E teus advogados e juízes privilegiarão a Justiça e não os pareceres e petições empolados e gongóricos.

8. Simplificarás o teu Sistema Tributário, de forma a efetivamente arrecadares mais com menos carga para o indivíduo ou Empresa. Eliminarás subsídios, favores, acertos, conchavos, privilégios.

9. Privilegiarás o investimento de risco em detrimento da Especulação Financeira.

10. Lembrar-te-ás que, respeitadas a graça e o veneno do jeitinho brasileiro, há que revogar o princípio de Gérson. E que, de verdade, só uma coisa realmente constrói: o trabalho.

11. E, como se trata de um país peculiar, faz-se necessário este peculiar mandamento adicional: CUMPRE!

Cumpre tuas leis. Cumpre tuas promessas e cumpre teu destino.

 
Artigo originalmente publicado em O Estado de São Paulo, 06/08/1989

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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