Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

Os muitos nomes da fome

Dezembro de 1982. Preocupado com os elevados estoques agrícolas então existentes, o Governo dos Estados Unidos da América, terra da fartura e da esperança, dono das melhores e mais vastas terras agriculturáveis do mundo, cria um programa destinado a resolver o problema. É o PIK, o que em nossa língua que mais ou menos dizer "Pagamento em Espécie". Objetivo de tal programa: induzir os fazendeiros norte-americanos a... plantarem menos! As "magníficas" notícias que nos chegam hoje dão conta de que é grande a probabilidade de tal programa ser bem sucedido, considerando o fato que variam de 35 a 45% as áreas a serem mantidas ociosas no próximo plantio.

Borundi, Gana, Nordeste do Brasil, Haiti, a fome tem muitos nomes neste mundo de Deus (de Deus!). Os estoques que tanto incomodam aos americanos seriam decerto "eliminados" com muita facilidade pelos desnutridos, pelos menos pujantes. E por que não o são?

Bem, o mercado. A demanda dos famintos, embora a mais concreta que possa existir, não pressiona o mercado, não sobre os preços, não é demanda se olhada sob a cega ótica econômica de alguns (muitos...) insensíveis scholars. Os famintos não são um mercado!

E isso é tudo? E uma coisa chamada moral? Ética? E a dignidade humana, onde fica? Pode a humanidade compactuar com o verdadeiro atentado contra a natureza que é castrar a capacidade produtiva de uma propriedade para manter os preços? Permitir que pessoas, cidades, povos pereçam à míngua é menos ruim, menos cruel do que matá-los a tiros, por exemplo?

Perguntas, perguntas. E a retórica não resolve, o presente exemplo é apenas um dentro do que é comum à realidade do nosso mundo.E se a retórica não resolve, as idéias resolverão?

Um possível caminho a ser explorado, desafio posto à criatividade de políticos e economistas, seria a criação efetiva de um F.A.I. (Fundo Alimentício Internacional), possivelmente administrado pela — até agora — ineficiente Nações Unidas, na falta de melhor gestor.

Tal mecanismo consistiria, na sua essência, em regulador de mercado financiado pelos governos mais ricos, com recursos que, do contrário, estariam sendo utilizados para subsidiar a manutenção de estoques. O fundo compraria um volume de grãos e outros alimentos necessários a manter em plena utilização o potencial produtos de alimentos do planeta como um todo, encaminhando-o à áreas mais carentes, que receberiam os alimentos como doação ou poderiam pagá-lo com seus próprios excedentes agrícolas.

É claro que não é de fácil implementação a idéia. Mas talvez seja um passo na tentativa de se evitar a fome generalizada. Mesmo porque o capitalismo insensível não perdoa seus próprios erros.

Assim, o feitiço já está se voltando contra o feiticeiro, pois os setores diretamente vinculados à agricultura nos EUA, tais como implementos, defensivos, fertilizantes, se deparam com a perspectiva de uma séria crise pela queda na sua demanda...

 
Artigo originalmente publicado em Jornal do Brasil (sob o pseudônimo James Arthur Phillmore), 08/05/1983

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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