Esta é uma história a meu ver deliciosa, que bem atesta a maluquice do mundo em que vivemos e os rumos estranhos aos quais o marketing a qualquer custo pode arrastar as pessoas. História rigorosamente verídica, ao que parece, embora sem comprovação documental. De qualquer forma, como dizem os italianos, si non è vero è bene trovato.
Faz pouco tempo as autoridades competentes receberam denúncia de que determinado cidadão estaria praticando ilegalmente a medicina num consultório de subúrbio. Segundo os denunciantes, ele era de fato uma espécie de curandeiro, ou mesmo bruxo, que usava cores e luzes estranhas na sua prática, pronunciava palavras muito esquisitas e receitava fórmulas com nomes esotéricos.
Saindo em campo para apurar a verdade dos fatos, os investigadores encarregados da diligência partiram para o endereço indicado, prontos para o flagrante de charlatanismo. Em lá chegando, adentraram o consultório sem qualquer cerimônia ou delicadeza — típico comportamento, aliás, de pessoas mal preparadas quando revestidas de alguma autoridade — e logo interpelaram o indigitado cidadão que, naquele exato momento, examinava uma senhora idosa.
Antes de prosseguir com a narrativa, devemos informar que os citados investigadores ficaram muito surpreendidos pela ordem, limpeza e higiene do local, bem como pela aparência distinta e educada do esculápio em questão. E mais surpreendidos ainda ficaram pela maneira firme, embora suave e delicada, com que ele lhes pediu que aguardassem o final da consulta.
Terminada a consulta, o ilustre doutor (ou suposto charlatão), que de fato trajava roupas exóticas e extravagantes, pacientemente ouviu as acusações que lhe eram imputadas. E sem perder a calma nem um discreto sorriso que já iluminava sua fisionomia, mostrou seus diplomas, registros, CRMs e que tais, imediatamente verificados por meio dos celulares dos representantes da lei. Sendo todas as credenciais legítimas e de boa estirpe, os agora envergonhados investigadores iniciaram um rosário de desculpas e etecéteras.
Mas perplexos mesmo eles ficaram quando o médico, alargando o sorriso, lhes abriu a porta de comunicação com a sala ao lado do consultório e os convidou a entrar.
— "Acho que isso aqui vai explicar tudo...esta é a minha sala especial..."
A sala onde eles entraram era difusamente iluminada com luzes coloridas e mobiliada com peças quem sabe indianas, quem sabe africanas. Bem ao centro, um grande globo de cristal girava lentamente, e um certo clima de mistério se acentuava com a suave música de cítara que permeava o ambiente.
E o doutor explicou:
— "Meus amigos, os pacientes daqui são um tanto ingênuos, teimosos e relutantes em seguir instruções médicas. Eu os examino e faço meu diagnóstico e prescrições como qualquer médico cuidadoso faz. Para alguns, no entanto, isso não é suficiente. Nestes casos, cada vez mais freqüentes, não tenho alternativa senão vir para cá e simular o que eles pensam ser uma consulta a forças ocultas, um tipo de pajelança, enfim. O que eu faço é acrescentar à medicina real um bocado de confiança mística e..., podem crer meus amigos, funciona. Para a saúde dos pacientes e para o marketing da minha clínica!".
Pano rápido...
Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.
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