"Darci Bento da Costa. Atendendo amigos desde 1948. 52 anos de experiência, 15.600 dias de trabalho. 93.600 pares de sapatos engraxados, com uma média de 6 pares por dia. Experiência e tradição. Agradeço a preferência".
Estes eram os dizeres do folheto, impresso em computador, que me foi entregue pelo engraxate do aeroporto de Uberlândia, logo após eu me sentar na cadeira onde ele exerce seu mister. Com os inevitáveis sapatos impressos no topo, o folheto carregava uma extraordinária aula de marketing popular.
— "Veja, doutor, que o senhor está em boas mãos. Sou um profissional que gosto do que faço e faço bem. Aliás, doutor, tem algumas profissões que só podem ser exercidas por quem gosta de ter contato com o público. Taxista, garçom, barbeiro e, é claro, engraxate. Imagine, doutor, se eu não gostasse de gente. Baixasse a cabeça aqui e nem olhasse pra sua cara? Eu ia ficar muito mais cansado do que fico!!!"
E prosseguia na sua peroração, contando que achava que seu trabalho era de um prestador de serviços, sim, mas também o de relações públicas. Que entendia que aeroportos são lugares tensos e que, por isso mesmo, as pessoas precisam de um pouco de bom humor naquele clima de alto potencial de azedume dos estados de espírito.
E como ele tinha razão! Pra variar, o vôo estava bastante atrasado e, como sempre acontece, a companhia aérea não dava a menor importância ao detalhe de nos manter a nós, esses incômodos passageiros, minimamente informados.
E ele prosseguia. Contando que com seu trabalho tinha criado os filhos, dado uma vida decente a eles e que se sentia muito bem por isso. E que freqüentava assiduamente um animado forró da terceira idade, vejam só.
E eu olhava e pensava nos frentistas de posto, nos caixas de supermercado, nas bilheteiras de cinema, na grande quantidade de gente humilde prestando serviços por esse mundo afora. Seria tão bom se tivéssemos muitos Darcis fazendo esses serviços, com simpatia e eficiência. E por que não se consegue isso em grande escala? Falta de Darcis? Ou é seu custo?
Darci cobra R$3,00 por graxa. É óbvio que depois da contribuição involuntária para este artigo ele ganhou uma substantiva gorjeta, que eu desconfio se repete a cada cliente que ele conquista com seu estilo de comunicador. Assim sendo, ele fatura mais ou menos R$600,00 por mês, sem nenhum direito trabalhista ou suporte previdenciário. Caso estivesse empregado por esse salário, ele custaria a seu empregador o dobro, pela incidência de todos os encargos que oneram o custo da mão de obra neste País e receberia líquido menos do que recebe hoje. Podemos chamá-lo, portanto, de um profissional que evita os custos impostos pela economia formal.
Mas não é só essa a questão. O mais importante é que Darci valoriza Darci. E acha importante o que Darci faz. E esse critério de valorização tem que pesar muito na hora em que escolhemos nossos funcionários que irão ter contato com o público. E na maioria das vezes, seja por premência de tempo ou descaso, nós não fazemos isso. Mas estou absolutamente convencido de que essa atitude será um movimento essencial das empresas vencedoras.
Darci se despediu de mim com sua mão suja de graxa e me convidou para ir ao forró com ele, podendo me hospedar na sua casa, se quisesse. Obrigado, Darci, porque aprendi um bocado com você. Me senti um pouco como o professor Higgins de My Fair Lady, ouvindo o pai de Elisa fazendo suas pregações. Imagino que você de repente pode estar na TV, ou, quem sabe, fundando uma igreja dessas...
Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.
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