O mercado de transporte aéreo nos USA é gigantesco, algo como 700 milhões de passageiros/ano. Está se concentrando cada vez mais e parece que a feroz disputa por market share tem levado as empresas a esquecer as mais elementares regras do trato com os seus clientes, que, receio, estejam sendo tratados como gado bovino. Em conseqüência, é inacreditável o que algumas companhias aéreas podem fazer para desagradar os seus clientes. Outro dia, vivi uma situação absolutamente kafkiana em um avião da Delta, no vôo de Washington para New York.
Por favor, acompanhem o desenrolar dos acontecimentos. Eu tinha um lugar na primeira classe e meu amigo na econômica. Após entregar meu casaco à aeromoça, informei à polipropilênica senhorita sobre o que parecia iria ser uma operação simples.
Disse a ela que, embora eu tivesse o assento 2B, na primeira classe, iria oferecer uma troca ao passageiro que estava na econômica, ao lado de um amigo, ou seja, ele viria para a primeira e eu iria para a econômica. E que apenas ela tivesse o cuidado de não entregar meu casaco para a pessoa errada. A lógica americana custou para entender a troca, afinal como é que alguém troca os prazeres imensos e incalculáveis de uma paradisíaca primeira classe de típica companhia aérea americana pela simples companhia de um amigo?
Parecia-me operação sem maiores problemas. Para minha surpresa, no entanto, estava para se desenrolar uma história espantosa. Fui lá para trás e quando o titular do assento 18A chegou, eu lhe ofereci a troca que ele, surpreso (ou provavelmente mais conhecedor das artimanhas da Delta), custou a aceitar.
Finalmente, ele foi para frente e para minha surpresa retornou dizendo que havia alguém sentado no meu lugar. Fui verificar e havia um típico executivo americano sentado no meu lugar, suspensórios e tudo.
Quando reclamei, veio a explicação: o senhor foi lá pra trás e portanto nós chamamos um passageiro da lista de espera. E só faltaram dizer "quem foi ao vento perdeu o assento"...
É óbvio que protestei veementemente. Citei inclusive Reagan, paguei por este lugar, tenho direito a ele, etc., etc., etc. Ao lado, para piorar, um piloto da própria Delta viajava refestelado e olhava absolutamente desinteressado. O comandante do avião, de dentro da cabine, olhava e ria, se divertindo com a situação, um ar ligeiramente alienado que depois me deixou preocupado como a segurança do vôo.
Chamaram a agente local, autoridade máxima para a questão. E me lembrei de Stallone no filme ("...eu sou o pior dos seus pesadelos"). A senhora Katy Wilson era pior que um pesadelo. Foi a mais mal educada, grosseira e rude pessoa com quem me deparei na minha vida. Ignorou minhas reclamações e disse que se eu quisesse viajar, que sentasse lá atrás. Quando disse que ia reclamar nas instâncias superiores da Delta, ela disse literalmente: "Não me importo, aqui quem manda sou eu". Quando lhe pedi algum documento para obter reembolso da passagem, recebi como resposta que eu não tinha direito a nada, que se quisesse deveria acionar a Delta.
Foi isso aí. Paguei e não levei. E fui destratado, além disso. Que contraste absurdo com o vôo da nossa Varig para New York, poucos dias antes, com as amáveis Francis e Janecky, dando um show de profissionalismo, amáveis na medida certa, corretas, simpáticas e eficientes.
Mas de tudo na vida podemos levar algum aprendizado. O episódio em muito reforça minha tese de que a boa qualidade dos serviços pode ser a grande vantagem competitiva no novo século. Será inclusive um fator de equilíbrio entre pequenas companhias, ou companhias de países fora G-7, e os mamutes como a Delta, que não querem, ou talvez não possam, atender bem seus clientes.
Constatei isso pessoalmente. Tenciono evitar uma companhia que tem Ms. Katy Wilson como (assim ela se intitulou), principal executiva do aeroporto de Washington. Porque essa companhia, definitivamente não liga para essa desagradável coisa chamada passageiro...
Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.
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