Luiz Antônio Viana

Textos e reflexões sobre sociedade, cultura e arte

Textos

Ela é republicana e toca piano

Republicana, toca piano, torce pelo Giants, gosta de vinhos franceses e queijos italianos. Quantas pessoas assim existem em New York? Quem sabe 10.000. Mas, se além disso, ela gostar de xadrez, filmes poloneses e for budista? Bom, aí chegamos talvez a umas 100 pessoas. E, se além do mais ela gostar de música chilena, cross-country skiing e férias no círculo polar ártico? Aí chegaremos a uma ou duas pessoas, se chegarmos.

O marketing taylor made, hoje alvo de inúmeros estudos e artigos (inclusive este, aliás) foi antevisto há bastante tempo pela extraordinária Faith Popcorn, uma das gurus do marketing na América do Norte. A sede de individualização que existe em cada um de nós é campo fecundo de consumo para aqueles produtos e serviços que possam parecer feitinhos exclusivamente para nós. Muitos milhões de dólares em produtos de alta margem podem ser vendidos apenas porque são canalizados para o cliente certo.

No entanto, os níveis de informação necessários para tornar realidade uma teoria óbvia eram virtualmente inalcançáveis. Eram, ressalve-se, até pouco tempo, num período pré-descoberta de um novo mundo, descoberto por Colombos múltiplos e não identificados; ou seja até a descoberta desse imenso mar virtual onde todos navegamos, o ápice de Marcuse, o mundo eletrônico da Internet. Aliás, a palavra descoberta talvez não seja apropriada, quem sabe melhor dizer que a infovia foi criada, constatada ou simplesmente conectada. E navegar é preciso...

E é extraordinariamente paradoxal ou paradoxalmente extraordinário que o maior instrumento de comunicação de massa que a humanidade já conheceu seja ao mesmo tempo o viabilizador da maior interação entre oferta e procura já ocorrida desde que o conceito de mercado se estabeleceu nas sociedades humanas.

Em breve, ninguém será grande demais ou pequeno demais para ser excluído do mercado. Pequenos fornecedores terão livre acesso aos grandes compradores potenciais dos seus produtos. Grandes corporações aumentarão de forma não pensada suas redes de distribuição, o que de certa forma já ocorre.

Já imaginaram, aliás, que as pessoas pudessem ter no seu website pessoal uma lista atualizada das pequenas coisas que gostariam de ter naquele momento e que não compram ou procuram por falta de tempo ou dinheiro? Tornaria mais fácil para amigos, namorados, esposas, filhos, mães presentearem seus entes queridos nas datas tradicionais ou simplesmente por impulso, poupando a todos o trabalho de quebrar a cabeça para tanto.

Isso não deveria tirar o prazer que temos em dar um presente para alguém que conhecemos bem e a quem desejamos dar algo pessoal e que contenha uma mensagem de carinho e entendimento.

Será que esse mundo novo será admirável ou será um palco mais próximo do Admirável Mundo Novo de Huxley? Isso depende de a espécie humana consertar um de seus defeitos de fabricação: o de deixar seu avanço espiritual, filosófico e humanístico ficar atrás do seu avanço tecnológico...

 
Artigo originalmente publicado em Valor Econômico, 11/07/2000

Conteúdo

Artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, no Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e Jormal do Commercio, e nas revistas Exame e Bravo, dentre outras.

 

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